A aceitação da morte como modo de vida

O quanto devemos temer ou antecipar a morte? Conheça um caminho de vida que a morte pode nos oferecer.

As escolhas como sofrimento

Somos forçados contra diversos caminhos na vida.

Escolhas são feitas. Muitas.

Poderíamos reduzir a vida de um ser humano normal como uma série de decisões e seus desdobramentos, muitas vezes condicionantes das próximas decisões, o que resulta numa recursividade e a problemas como depressão, ansiedade e muitas outras condições. Somos obrigados a decidir o que vestimos, o que comer, se teremos filhos, a profissão etc.

Memento mori significa "lembre-se da morte".
Amor fati quer dizer "ame o destino", dada sua inevitabilidade.

Quanto mais decisões precisamos tomar e quanto maior o número de opções, mais a mente humana sofre com a pressão resultante. Este fenômeno é, na verdade, muito estudado. Schwartz observou que, em lojas, quanto mais opções os compradores têm, maior a ansiedade associada à compra1.

Portanto, não é nenhum mistério para ninguém que uma vida baseada na relutância e na excessiva ponderação das escolhas é uma vida angustiada.

A aceitação como caminho

Cerca de mil anos antes da consolidação do cristianismo, durante o período das escolas helenísticas, o estoicismo pavimentou o caminho para esta que viria a ser a principal religão ocidental.

O pensamento estoico se alicerça na noção de que a aceitação dos destinos é um caminho de menor sofrimento do que a insistência em alternativas por numerosas escolhas ou mera teimosia.

O crente é carregado pela fé. O descrente é arrastado pelo destino.
Antigo ditado estoico.

Os cristãos primitivos aperfeiçoaram essa visão, estimulando a vida pobre e miserável como forma de aceitação do mais básico, sendo, portanto, de melhor proveito as benesses de quaisquer natureza. A felicidade do homem que vive de migalhas pode ser um pão inteiro. O prazer do faminto não depende do sabor, apenas da mera comida.


Felizes aqueles que crêem sem ver.
João 20:29.

A fé, assim sendo, se reduz a aceitação do destino, num ato subjetivo de confiança em um ser benevolente que alegadamente sempre terá o melhor plano. Chama-se isto de atitude estoica. A resistência, a teimosia, a beligerância e a intolerabilidade são conceitos opostos a conduta estoica. O descrente, portanto, duvida sempre, desacredita e reage ao destino.

Que não se confunda! A curiosidade, o questionamento e a busca do conhecimento pela via dialética não contradizem conduta estoica.

A aceitação da morte como modo de vida

Dentre todos os destinos, qual aquele mais certo de que a morte? Nenhum.

Memento mori. Amor fati.
Saudações estoicas.

Sendo a morte o destino mais certo da vida de qualquer ser humano, por que aprendemos a evitá-la, tanto como destino final, como assunto? Vivemos como se a vida eterna fosse uma certeza. No máximo, trata-se de uma promessa vazia e religiosa.

Somos agressivos na defesa de qualquer dos nossos bens, porém permissivos na perda do nosso tempo, mesmo com a rígida evidência de que a morte inexoravelmente virá e o limitado tempo nesta passagem será consumido.

A saída é a aceitação. Vivemos adorando a vida, valorizando os aspectos passageiros desta, como a beleza e a riqueza, mesmo sabendo que o fim é a morte. Tudo na vida transita. Tudo se esvai.

O mais extremo exemplo de aceitação em registro é de Boethius, um grande senador e ministro romano condenado a morte por perseguição política na transição do governo de Zeno pelos cristãos arianos.

Diante do infortúnio da morte injusta, Boethius aceita-a como forma de consolação, narrando seu encontro com a Filosofia personificada na forma de mulher que debate com ele diversos temas de correição de vida². O termo “roda da fortuna” muito difundido na Europa medieval advém deste livro, já que a tradução mais adequada de destino para o inglês antigo seria fortune.

Após aceitar seu destino, Boethius foi condenado e executado. Seus bens tomados pelo estado romano e sua esposa condenada a pobreza.

"Não há prova melhor de uma mente bem organizada que a habilidade de um homem capaz de parar onde quer que esteja e passar algum tempo apenas consigo mesmo."
Seneca

Seu legado foi sua própria consolação na forma do livro, deixando-nos seus exemplos de autocontrole e autodeterminação.

A maioria de nós não está no extremo de Boethius. Pensemos sobre.


Referências

  1. Boethius, Anicius Manlius Severinus. The Consolation of Philosophy. Translated from the Latin by W. V. Cooper. Published by the Ex-classics Project, 2009. http://www.exclassics.com.
  2. MARCUS, Aurelius. Meditations. c. 161-180 anno domini. Imperium Romanum.

  1. Schwartz, Barry. The Paradox of Choice. New York, United States: Harper Perennial. ISBN 0-06-000568-8. 2004. ↩︎


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