Prescrição de hidratação: um resumo breve
As três hidratações
Existem três hidratações, por assim se dizer:
- A ressuscitação volêmica;
- A manutenção hidro-calórica;
- A reposição hídrica.
A ressuscitação volêmica é uma medida de urgência, conduta padrão para o diagnóstico de choque hipovolêmico ou a desidratação. Se baseia no exame físico e deve ser iniciada no paciente que demonstre anúria, pele seca, ausência de humidade nas mucosas de boca e olhos, além de sinais mais graves como rebaixamento de consciência e confusão.
A manutenção hidro-calórica é a prescrição pós-ressuscitação e tem por objetivo dar suporte calórico e líquido ao paciente em recuperação. Esta abordagem é uma evolução médica, ou seja, direciona-se ao paciente internado que teve manejo ou estabilização anterior.
A reposição hídrica é uma ação concomitante que visa devolver a autonomia do paciente, isto é, a volta a normalidade fisiológica. Costuma ser ofertada de preferência por ingesta oral expontânea, o mais cedo possível. O paciente recém manejado pode ter sede e este é um bom sinal, sobretudo no retorno da consciência.
Ressuscitação volêmica
Existem dois aspectos da ressuscitação:
- Sua forma simples, prescrição de 20 a 50ml por Kg de massa corporal;
- Manejos complexos de UTI, onde se deve considerar aspectos como perdas significativas (grandes queimados), sangramentos (trauma e pós-cirúrgico) e doenças com desequilíbrio hídrico intrínseco (hidrocefalias, insuficiência cardíaca etc).
Na abordagem simples, temos um paciente desidratado por síndromes globais (febril, infecciosa, dengue, diarreia aguda etc) e que necessita restaurar volumes imediatamente.
Na complexa, cada caso deve ser considerado por julgamento clínico e aspectos mais graves. A função renal e integridade fisiológica devem ser pesadas porque as perdas de líquido no paciente de UTI são menores, principalmente se mecanicamente ventilado.
Manutenção hidro-calórica
O corpo humano necessita de cerca de 100ml de água para cada 100kcal processadas. Isto significa que, ao hidratar um paciente, devemos também nutri-lo e vice-versa.
Porém, esta situação traz consigo aspectos osmolares em relação aos eletrólitos. Tendo em vista que a mera hidratação e fornecimento de glicose pura vão diluir os eletrólitos corporais, podemos terminar em situações graves, e.g. hipocalemia.
Para isto, fórmulas foram desenvolvidas, notadamente a fórmula de Holliday-Segar e suas variações.
Acesse aqui a calculadora de Holliday-Segar que eu fiz.
Reposição hídrica
Normalmente feita através de soros de reidratação oral, de oferta livre, a pelo menos 1L/dia. Espera se a ingesta mínima baseada em guideline de 2L/dia pro adulto. Porém estes valores são contestados atualmente.
Na prática, pode se optar por soros caseiros, preparados com açúcar e sal, mas estes devem ser evitados sempre que soros industrializados forem disponíveis.
A falácia do “fluido fisiológico”
Nenhum fluido é fisiológico. Na verdade, diversos estudos tentam determinar quando um fluido pode, na verdade, ser danoso ao estado do doente. Este assunto é particularmente importante no caso de pacientes com injúria cerebral[2].
Até o momento, nenhum fluido alcança o status de fisiológico, devendo o médico sempre considerar a repercussão da conduta a depender da composição da prescrição.
Dicas da ressuscitação volêmica do paciente crítico [3]
- A responsividade ao fluido é o essencial. Porém, o exame físico, as imagens de tórax, a média de pressão arterial e a ultrassonografia cardíaca são incapazes de determinar, isoladamente, o status de responsividade.
- O padrão ouro é a avaliação de débito cardíaco frente ao desafio de fluido. Ou seja, realiza-se o bolus de fluido e é esperado aumento imediato do débito cardíaco determinado por Doppler.
- A manobra de elevação passiva dos membros inferiores pode substituir o bolus de fluido e pela segurança e baixo custo deve ser uma opção sempre tentada.
- A resposta à administração de fluidos costuma ser rápida e pueril. A melhora clínica depende muito mais da correção do distúrbio base.
- A pressão venosa central é o principal preditor de mau prognóstico¹ e deve estar sempre acima de 65mmHg.
Notas
- Na verdade, a baixa pressão venosa central se correlaciona diretamente a má perfusão de órgãos centrais. Portanto, apesar de não ser muito útil para se determinar a resposta ao fluido, tem alto valor na predição de prognóstico ruim.
Referências
- GHOSH, Supradip. Handbook of Intravenous Fluids. Springer, 2022.
- Roquilly A, Loutrel O, Cinotti R, Rosenczweig E, Flet L, Mahe PJ, et al. Balanced versus chloride-rich solutions for fluid resusci- tation in brain-injured patients: a randomised double-blind pilot study. Crit Care. 2013;17:R77.
- MARIK, Paul E. Fluid responsiveness and the six guiding principles of fluid resuscitation. Critical care medicine, v. 44, n. 10, p. 1920-1922, 2016.