Visão toxicológica e legal da embriaguez
ATENÇÃO: PÁGINA EM CONSTRUÇÃO
O álcool como vício
O álcool é um componente alimentar antigo, com indícios de seu uso dietético desde o neolítico[4].
Porém, seu uso regular alimentar pode ser deturpado pelo comportamento compulsivo, vicioso. Muitos estudaram os mecanismos do álcool no ser humano e na sociedade. Aqui, vamos nos ater as teorias de Jellinek[5] e as revisões por Glatt[6], bem como os documentos oficiais da WHO e da PAHO.
A teoria observacional de Jellinek
Gráfico original proposto por Jellinek
Curva da addicção revisada por Glatt
Os tipos de “bebedores”
Jellinek também classificou os chamados “bebedores” em subcategorias, seguindo o princípio científico da taxonomia[7]. Para este fim, definiou o alcoolismo como gênero de espécies ou tipos que, mais tarde sofreram revisão e a proposição do tipo mais novo, épsilon.:
- Alfa: indivíduo que bebe por razões puramente psicológicas como tristeza, desinibição e ansiedade, geralmente em contexto social. Não existe evidência de perda de controle, dependência física, nem incapacidade em se privar inteiramente do álcool. Jellinek descreve-o como um beber indisciplinado.
- Beta: um beber continuado sem sinais de dependência física ou psicológica, que acarreta uma deterioração física. Por exemplo, problemas gástricos, hepáticos e nutricionais.
- Gama: beber excessivo em que está patente o aumento de tolerância, perda de controle ou craving e abstinência. O indivíduo pode resistir ao consumo durante longos períodos, embora apresente dependência psicológica e física notáveis. Trata-se do típico bebedor anglo-saxônico, normalmente reportado como meme social do Irlândes.
- Delta: existe evidência de tolerância e síndrome de abstinência, mas o consumo do álcool é mais estável, visto comumente bebendo. O indivíduo aparenta nunca ficar verdadeiramente embriagado, mas ingere continuadamente álcool em pequenas quantidades. Incapaz de alcançar abstinência prolongada. O consumo é influenciado por condições sociais e/ou financeiras. Típico bebedor mediterrâneo ou o culturalmente chamado pé inchado no Brasil.
- Epsílon: consumo de álcool periódico. Contudo, o indivíduo parece que só fica satisfeito quando perde o controlo de si próprio, podendo mesmo ficar inconsciente com a alcoolização.
Embriaguez e alcoolemia
A clínica da embriaguez
O álcool é um depressor do SNC. Porém, a embriaguez é um fenômeno complexo e deve ser enxergado como um contínuo de fases que dependem da velocidade do consumo, da ingesta alimentar, do humor basal, da capacidade metabólica, do sexo, da idade e das comorbidades do embriagado.
Apesar dos efeitos depressores, o uso de etanol pode provocar uma hiperexcitabilidade adaptativa nos neurônios afetados, resultando notadamente em tremores, insônia pós-embriaguez etc.
Muitos continuam defendendo a dosagem bioquímica do álcool, principalmente no sangue, como o parâmetro mais prático, mais eficaz e mais confiável para se determinar uma embriaguez. E até adiantam que, salvo algumas variações, essas cifras estariam entre 0,6 e 2,0 g/1.000 ml. Todavia, entendemos que mais importante do que determinar uma taxa de álcool no sangue, na urina ou no ar expirado é caracterizar as manifestações clínicas de uma embriaguez[8].
Nesse sentido, a proposta diagnóstica forense para a embriaguez depende de dados estatísticos, num modelo diagnóstico bayesiano em que cada sintoma e sinal compõem um somatório para a probabilidade final de embriaguez. Rubenzer elaborou bem esta filosofia em seu artigo “Judging intoxication” de 2010, inclusive propondo valores numéricos de relação entre os sintomas e o valor sérico da alcoolemia.
Para fins penais, a embriaguez alcoólica é considerada uma causa externa.
Detecção da alcoolemia
A detecção de alcoolemia é necessária no Brasil pelos mandamentos legais terem preservado limites numéricos como definidores de crime. Para tanto, os métodos colorimétricos e cromatográficos são o padrão ouro e, também por previsão legal, aceita-se a medição do alcoól exalado — vulgo bafômetro.
O bafômetro
O nível sanguíneo de etanol nos seres humanos pode ser estimado pela determinação das concentrações de etanol no ar expirado uma vez que a relação entre o etanol presente nos gases alveolares ao final da expiração e seu nível sanguíneo é consistente[2].
Formas de embriaguez
Culposa
Decorre da imprudência ou negligência ao beber de forma exagerada. No entanto, não isenta de responsabilidade;
Preterdolosa
O sujeito, apesar de não querer o resultado, sabe que estando embriagado pode cometer algum crime;
Notadamente, há o crime positivado pelo Código de Trânsito:
Seção II
Dos Crimes em Espécie
Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
§ 1° As condutas previstas no caput serão constatadas por:
I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou
II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.
§ 2° A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia ou toxicológico, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.
§ 3° O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia ou toxicológicos para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.
§ 4° Poderá ser empregado qualquer aparelho homologado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia - INMETRO - para se determinar o previsto no caput.
Na sua forma definida, o legislador precisou ser específico quanto ao diagnóstico da alteração psicomotora aludida no artigo, tendo sido explícito nos incisos e parágrafos. A doutrina é relativamente pacífica em aceitar que o exame clínico é suficiente para demonstração da embriaguez (ou dos efeitos entorpecetentes) desde que evidentes.
Proveniente de força maior
Prevista no art. 28, §1º, do CP, se for completa e deixar o agente inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, isenta de pena;
Embriaguez fortuita
Pode estar elencada junto a força maior em grande parte da doutrina.
França a define como a embriaguez ocasional, rara, em momentos especiais, tendo origem em um erro compreensível e não em uma ação predeterminada ou imprudente, por isso, pode isentar o agente de pena.
Acidental
O sujeito acha que está bebendo algo sem nenhum teor alcoólico, ou ingere bebidas com grau baixo, mas que são potencializadas com medicamentos;
Preordenada/voluntária
Nesse tipo de embriaguez, o sujeito bebe para cometer crimes. Aqui está presente a chamada actio libera in causa, sendo considera tanto uma comprovação de dolo como agravante de penas, nos termos do art. 61, II, alínea “l”. do CP;
Patológica
É resultante da ingestão em pequenas doses, com manifestações desproporcionais. Vibert dividia a embriaguez patológica em quatro tipos:
- agressiva e violenta: tende ao rime e ao sangue;
- excito-motora: acesso de raiva e de destruição;
- convulsiva: impulsos destruidores e sanguinários;
- delirante: delírios com tendência à autoacusação.
Metabolismo
A cinética do metabolismo alcoólico
A cinética de metabolismo do etanol difere da maioria das drogas, nas quais, quando há aumento plasmático de seus níveis, a quantidade de droga metabolizada por unidade de tempo também aumenta. No caso do etanol, mesmo com aumento de sua concentração sanguínea, não há alteração de sua taxa de metabolização, ou seja, o etanol é metabolizado de maneira constante. Portanto, a taxa de oxidação do etanol segue uma cinética de ordem zero, isto é, independe do tempo e da concentração da droga.
Desta forma, as curvas dose-respota logarítmicas apresentam desvio a direita, ou seja, queda da potência tóxica por dose conforme se aumenta o consumo.
Fases metabólicas do álcool
Absorção: a concentração sanguínea varia com o tempo e com a localização exata na circulação. Equilíbrio de difusão: a concentração sanguínea é estável e relativamente constante no tempo. Depuração: por processos de oxidação em aldeído, ácido acético, gás carbônico e água.
A lenda árabe das fases da embriaguez[3]
- Eufórica: denominada embriaguez incompleta, quando as funções intelectuais mostram-se excitadas e o agente particularmente, se apresenta com loquacidade, eufórico. É o macaco alegórico;
- Agitada: denominada embriaguez completa, caracterizada pelas perturbações psiconsensoriais profundas, alterando-se as funções intelectuais, apresentando disartria, irritabilidade, violencia, agressividade, sendo a fase que predomina as infrações penais. É o leão alegórico;
- Comatosa: denominada estado comatoso, primeiramente aflora a sonolência, depois progressivamente apresenta-se com náusea, vômito, podendo ocorrer a espurcícia, imundície e porcaria, devido ao relaxamento dos esfíncteres, advindo anestesia profunda e abolição completa dos reflexos. É o porco na alegoria da lenda árabe;
A embriaguez completa é aquela que venceu a primeira fase, a eufórica[10].
Diferenças entre homens e mulheres[2]
- na média, as mulheres são menores que os homens e, por esse motivo, têm menos água corporal por unidade de peso, na qual o etanol pode ser distribuído; e
- a enzima ADH gástrica é menos ativa em mulheres do que nos homens, fazendo com que o metabolismo gástrico do etanol seja menor nas mulheres.
Síndrome de Wernicke-Korsakoff
Ocorre em pessoas mal alimentadas pela alta caloria alimentar do álcool consumido cronicamente, durante meses ou anos, na qual há baixa ingesta de vitamina B1 e sua consequente deficiência, levando a alterações metabolico-neurológicas importantes, resultando num quadro demencial composto de amnésia e confabulação, principalmente. Há, também, efeitos disautonômicos menores.
Referências
- __REMOVIDA__.
- DORTA, Daniel Junqueira; YONAMINE Mauricio; COSTA, José Luiz da, MARTINI, Bruno Spinosa De. Toxicologia forense. 2018. s. Edgard Blücher. São Paulo - SP. Brasil.
- https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-medicina-legal-e-o-direito-positivo-a-famosa-lenda-arabe-e-o-transito-parte-iii/121942731
- Charles H, Patrick; Durham, NC (1952). Alcohol, Culture, and Society. Duke University Press (reprint edition by AMS Press, New York, 1970). pp. 26–27. ISBN 9780404049065.
- Jellinek, E. M.The disease concept of alcoholism. Hillhouse. 1960.
- GLATT, M.M. (1958), Group therapy in alcoholism. British Journal of Addiction to Alcohol & Other Drugs, 54: 133-148. https://doi.org/10.1111/j.1360-0443.1958.tb04266.x
- Jellinek EM. Alcoholism: A genus and some of its species. Canadian Medical Association Journal. 1960a;83:1341–1345.
- FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal. Editora Guanabara Koogan, 10ª edição, 2015, p. 880.
- Rubenzer S. Judging intoxication. Behav Sci Law. 2011;29(1):116-37
- https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/a-doutrina-na-pratica/imputabilidade/embriaguez
Bibliografia
- FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal. Editora Guanabara Koogan, 10ª edição, 2015, p. 880.
- Rackkorsky LL, Zerbini T, Cintra RB. Avaliação pericial da embriaguez: legislação e aspectos práticos. Saúde, Ética & Justiça. 2012;17(2):44-9.
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